Chico lê, vê e recomenda #64
Maranhão, Queiroga, Covid e preservativos, A Folha de Saquarema, o corte no orçamento da ciência brasileira, uso ético da IA, Livros de Família, plástico para fazer calçadas e vias
Oi! Depois de uma semana de hiato por conta da visita dos meus pais no Dia das Crianças, segue o boletim com mais uma mudança nas seções e um tantinho datado (mas nem tanto) nos assuntos.
O dia a dia segue com algumas alterações.
As 3as doses da vacina começam a chegar nas pessoas mais próximas, a vida aos poucos volta a algo parecido com a normalidade, com direito à visita dos pais e eu me permitir ir para uma pequena aglomeração que será o casamento do primo mês que vem. A pequena está em meio período na escolinha mas sempre reforçando a importância do uso de máscaras (que nem sempre ela obedece).
Taxa de contaminação de Covid-19 no DF está em alta porque tá vida normal pra uma galera. Aqui procuramos sair para lugares abertos e com ventilação, mas fomos numa apresentação de dança do Dia das Crianças em um teatro fechado e com público limitado. Maria Teresa adorou. Bateu uma saudadezinha de saídas assim.
Teresa está disputando cada coisa que puder em casa. Se pedimos A, ela quer fazer B. Tem que ter jogo de cintura, mas pergunta se temos disposição infinita?
A chuva chegou ao Distrito Federal e, com ela, a umidade e os insetos dentro de casa.
E vamos que vamos!
Galeria
Se informe
Queiroga, Covid e preservativos
Queiroga disse que não pode obrigar uso de máscara, assim como não se obriga uso de preservativos. O microbiologista Átila Iamarino respondeu:
“Sobre a fala das máscaras:
Eu gostaria muito que as máscaras fossem tratadas como preservativos no Brasil. O Brasil tem uma campanha fantástica de conscientização das pessoas sobre o uso da camisinha, distribui camisinhas de graça, faz campanha antes de carnaval e uma série de outras.
Poderia fazer o mesmo com as máscaras: campanhas de conscientização ensinando as pessoas a fazer o uso adequado das máscaras, distribuindo máscaras para a população. No caso dos preservativos, se o parceiro ou a parceira tira o preservativo sem o consentimento da outra pessoa na relação ou se fura o preservativo, isso é crime porque você está expondo a outra pessoa sem necessidade. Se a pessoa não usa máscara em um ambiente fechado, onde não tem circulação de ar, ela está expondo outras pessoas ao vírus também.
Por que que isso também não pode ser crime?”
A Folha de Saquarema: ideólogos da escravidão no séc. XXI
Comentário de Marcos Queiroz sobre um colunista da Folha de S. Paulo que aponta que houve escravos que ficaram ricos no Brasil - Twitter
Desde as primeiras décadas do XIX, a escravidão passou por um forte questionamento no mundo atlântico. Revoltas escravas, abolições e crescimento da diplomacia antitráfico criaram um clima de indefinições. 👇🏾
Porém, no Brasil, ela não só vigorou como chegou a número inéditos. O núcleo político responsável por essa “segunda escravidão” era chamado de saquaremas, o “partido negreiro”. Sua base social se estendia do Vale do Paraíba a Minas, orbitando sobretudo os senhores do café. 👇🏾
Iniciado com a chegada do Regresso ao poder (1837), “o tempo saquarema” definiu a defesa da escravidão como questão de Estado. Tal hegemonia manteve o contrabando negreiro até 1850 e formou as bases institucionais do escravismo, que só seriam derrubadas definitivamente em 1888.👇🏾
Para tanto, desde o final da década de 30, os saquaremas realizaram uma verdadeira blitz na arena política, definindo a legitimidade da escravidão e os discursos possíveis sobre o tema. Forjaram um bloco de premissas que serviam de álibi para a expansão do escravismo no país.👇🏾
Entre os argumentos, os saquaremas criaram um singularmente brasileiro. Tâmis Parron o chama de “paternalismo liberal”. Segundo esse ponto, a escravidão no Brasil era um sistema bom para o negro, pois possibilitava sua ascensão social num contexto ausente de barreiras raciais.👇🏾
Ou seja, segundo os saquaremas, ao “buscar” negros na África, a escravidão os retirava da barbárie e os inseria numa atmosfera civilizatória, com vias abertas para sua mobilidade social e política. Tudo isso facilitado pelas características do Brasil: aqui, não há ódio racial. 👇🏾
Ou seja, a escravidão não era odiosa, mas benéfica ao negro. Como escreveu Carneiro da Silva: “no Brasil, o escravo só tem desta condição o nome”. Bondade dos senhores, alforrias e profissões exercidas por negros libertos “atestavam” a identidade benévola do país. 👇🏾
Essa representação idílica do escravismo tinha um objetivo claro: contestar as denúncias humanitárias, filantrópicas e abolicionistas do sistema. Idealizar para mais escravizar. Representar o paraíso para manter o inferno. E os saquaremas foram vitoriosos nessa batalha. 👇🏾
Em menos de 30 anos, mais de 760 mil africanos foram ilegalmente traficados e o regime escravista encontrou no Brasil a sua mais longa duração.
Tais questões são importantes para entendermos o sedimento histórico no qual se escoram discursos do presente. 👇🏾Quando lemos uma coluna que enfatiza a “mobilidade social” no regime escravista ou um editorial que se vale das suas “políticas de diversidade” para continuar sendo racista, estamos lidando simplesmente com a semântica saquarema. É a retórica negreira, sem tirar nem pôr. 👇🏾
Idealizar a escravidão é um artifício tipicamente brasileiro, o qual foi universalizado como prática política e discursiva pelo grupo social mais escravista da nossa história. Trata-se de um recurso do supremacismo branco com "características nacionais". 👇🏾
O que a Folha faz é velho. É constitutivo de uma das maiores tragédias humanas. É escravismo na sua mais alta performance. Se a Folha hoje amanhece perguntando se é racista, a resposta é fácil. Não é só racista, como é senhorial. A Folha é supremacista branca. É saquarema.
As duas citações são da dissertação do Tâmis Parron, um dos melhores retratos da hegemonia saquarema. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-04022010-112116/pt-br.php
Saiba Mais
Entenda o corte de R$ 600 milhões no orçamento da ciência brasileira;
Grande parte do dinheiro para pagamento de cientistas pelo CNPq, a maior agência de fomento do país, desapareceu da noite para o dia após canetada encomendada pelo Ministério da Economia | Maria Clara Rossini - Superinteressante - link
Embora tenha bloqueado o saque do FNDCT, o novo PLN 16 fez aparecer uma enorme quantidade de dinheiro extra em outros ministérios, na forma de créditos suplementares. Agricultura, Educação, Saúde, Comunicações, Desenvolvimento e Cidadania foram as pastas beneficiadas.
Aqui, vale reforçar o raciocínio, porque é confuso. O dinheiro originalmente viria de duas fontes: a maior parte sairia do fundo FNDCT (dinheiro que já existe, e precisa obrigatoriamente ser investido em ciência) e iria para o CNPq pagar bolsas.
Já os créditos suplementares (que não existem, estão acima do teto de gastos e precisam ser aprovados) eram a menor parte e estavam reservados para a CNEN fabricar rádiofármacos.
Com a alteração no projeto, todo o dinheiro que viria do FNDCT para o CNPq simplesmente deixou de existir. Enquanto isso, o governo aumentou um pouquinho os créditos suplementares da CNEN, mas aumentou também os créditos suplementares de vários outros ministérios.
Como um documentário reacendeu a discussão por trás do uso ético da IA | Rafael Arbulu - Olhar Digital - link
O documentário “In Event of Moon Disaster”, originalmente produzido em 2020, voltou às manchetes em 2021 após vencer o Emmy na categoria técnica de “Melhor Destaque para Mídia Interativa: Documentário”. A produção, dirigida por Francesca Panetta e Halsey Burgund, com roteiro da jornalista egípcia Pakinam Amer, faz uso de um deepfake para trazer de volta à tona a discussão do uso ético da inteligência artificial (IA).
Mais links
Livros de Família; uma editora especializada em transformar historias familiares em narrativas literarias cresce na pandemia com o desejo de preservar a memoria | Betina Neves - Gama Revista - link
Empresária no Kenya usa plástico para fazer calçadas e vias | Business Insider - YouTube - link (em inglês)
Estatísticas
Voltamos ao patamar de cerca de 50 leitores por edição. Impressão é que o boletim tem mais leitores quando é lançado na segunda-feira do que no domingo. Não sei o porquê disso.
Na edição anterior, as pessoas se interessaram pelos filmes que se passam na mesma época, sobre a história da mulher que se infectou com infecção sexualmente transmissível na primeira relação sexual, na homenagem ao OTA e as considerações de um jornalista americano sobre a opção dos jornais darem voz à radicais da extrema-direita.