Chico lê, vê e recomenda #79
Gil na ABL, Balé e Balas, lei Maria da Penha, autismo e trabalho, origem do sistema métrico decimal, colapso do sistema previdenciário na Venezuela, cidades-esponja e a Baixada Fluminese
Esse boletim sai com atraso, mas sai! Pensando num formato mais simples e enxuto pra ver se publico aos domingos de manhã. Segue!
Galeria
Na última sexta-feira (8), Gilberto Gil tomou posse como integrante da Academia Brasileira de Letras. E é isso que quero destacar nesta seção do boletim dessa semana. Quando vi a notícia da posse, lembrei na hora da letra de Tradição, do álbum Realce, onde Gil canta a Salvador da juventudade dele: “No tempo que preto não entrava no Bahiano \ Nem pela porta da cozinha”. Bahiano é um clube tradicionalíssimo de Salvador. Foi lá que Jerry Adriani descobriu o Raul Seixas, quando ele e Os Panteras tiveram que substituir a banda originalmente escalada, que não pode subir ao palco porque tinha um integrante negro.
A foto foi tirada do Instagram do artista. Também copio o texto que ele publicou na rede social:
Em maio de 1968, na capa do meu segundo LP, e já integrado à Tropicália, apareço envergando um fardão e usando pincenê. Ao recordar esse episódio escrevi um poema para este evento:
“Sempre houve críticas à Academia,
que a Casa de Machado não faria jus
ao sonho que sonhara ser um dia:
todos ali representados por alguns.
Tal ampla representatividade
sonhada por Nabuco e demais fundadores
jamais fora alcançada de verdade,
jamais todos os saberes e sabores.
Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras,
cheguei a envergar um garboso fardão,
vestido então como ironia dura,
a fantasia pura da ilusão!
Juntava-me, naquele instante, aos muitos
que alfinetavam a Instituição
mal sabia eu quais os intuitos,
do destino astuto a interrogação.
Um amigo lembrou-me outro dia
que as ironias sempre trazem seu revés.
papéis trocados, eis aqui, vida vadia:
fardão custoso, bordado a ouro, vistoso,
me revestindo da cabeça aos pés”
Que a nomeação dele aproxime a ABL do povo em geral (talvez nos moldes de um Villa Lobos, que organizava concertos de escolas públicas). Mas, talvez, nesse sentido, seja melhor a ABL abrir uma conta no TikTok, talvez como nos vídeos da série Pequenas Leituras, que publicam no YouTube.
Clipping
Balé e balas: aulas de dança no meio do fogo cruzado. Milhões de crianças do mundo todo sonham em dançar – seja hip hop, salsa, passinho ou balé. Algumas têm a oportunidade de aprender, outras não – às vezes por causa do tempo, dinheiro, da família, de tabus culturais, de acesso a escolas ou dezenas de outros motivos.
Após ter corpo queimado pelo ex, ela quer mudar Lei Maria da Penha: 'Falha'. | Artigo de Mariana Gonzalez - Universa - link
Aos 20 anos, Barbara Penna foi espancada, teve o corpo queimado e foi atirada pela janela do terceiro andar do prédio onde morava em Porto Alegre pelo então companheiro, João Guatimozin Moojen Neto. No incêndio criminoso, os dois filhos do casal morreram, uma menina de dois anos e um bebê de três meses. Antes disso, Barbara tentou denunciar o ex, direito que lhe foi negado na delegacia. Depois, foi perseguida e ameaçada pelo pai do agressor e não conseguiu uma medida protetiva. "A Lei Maria da Penha falhou comigo", afirma, em entrevista a Universa.
(…)
"Em 2013, antes da tragédia que me aconteceu [a tentativa de feminicídio e a morte dos filhos], fui até a delegacia para denunciar meu ex e fui desmotivada pelo escrivão de plantão. Esse profissional não soube me acolher naquele momento em que eu me encontrava vulnerável e fez diversos questionamentos que me fizeram recuar com a denúncia. Além disso, alguns anos depois, fui ameaçada e perseguida pelo meu ex-sogro e não consegui pedir uma nova medida protetiva", lembra.
"Sou o exemplo daquilo que não funciona. Minha história, infelizmente, não posso mudar, mas posso ajudar a mudar a história de muitas outras mulheres no Brasil."
Existe espaço para o autismo no mercado de trabalho? | Artigo de Noah Scheffel - ECOA - link
Existem diferentes formas de trabalho em equipe, diferentes formas de raciocínio, diferentes formas de comunicação. Mas a sociedade espera de todas as pessoas que nessas competências exista um padrão. E esse é o padrão de pessoas que não são autistas, que não são disléxicas, e que não são TDAH. Porém as pessoas que estão fora deste padrão possuem essas e tantas outras competências, demonstradas de outras formas, ou que, de outra maneira, também as tornam aptas e capazes para o trabalho.
Quando montamos um processo seletivo com a ausência de qualquer marcador social, as particularidades que esse marcador carrega passa a ser o fator excludente para as pessoas que fazem parte dele. Isso acontece justamente porque não estamos trazendo todas as pessoas para repensar como os processos seletivos podem ser acessíveis a todas elas, e sim contratando ferramentas que partem de um pressuposto de que existe uma única maneira correta de demonstrar ou exercer qualquer competência necessária para um trabalho bem executado. Os processos seletivos são desenhados por e para pessoas típicas. E as ferramentas que são usadas para agilizar o processo de contratação também.
Um processo seletivo inclusivo para pessoas neuroatípicas jamais deveria se utilizar desses balizadores ferramentais que foram pensados apenas no funcionamento do cérebro de uma pessoa não autista, de uma pessoa não disléxica, ou de uma pessoa não TDAH. Mas você já viu atualmente um processo assim?
Mais links
A incrível história de como a França criou o sistema métrico decimal; "Só na França, estima-se que, havia naquela época milhares de unidades diferentes de pesos e medidas em uso. A Revolução Francesa mudou isso." | por Madhvi Ramani - BBC - link
Reportagem premiada do Prodavinci expõe o colapso do sistema previdenciário na Venezuela por meio de jornalismo de dados, arte e multimídia; O Prodavinci analisou centenas de dados salariais e previdenciários dos últimos vinte anos na Venezuela e descobriu, entre outras coisas, que os trabalhadores que se aposentaram em 2020 contribuíram até 57 vezes mais para a Previdência Social do que receberão em pensões durante a velhice e que o valor das pensões no ano 2000 foi 330 vezes superior ao de 2020. | Prodavinci - link via LatAm Journalism Review
Lembra o conceito de Cidades-Esponja que mencionei na última edição? Essa matéria mostra como a falta de planejamento urbanistísco e ambiental na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, vai ampliar a pobreza de 2,2 milhões de pessoas na região, bastante afetada por chuvas cada vez mais intensas | Igor Mello - UOL - link