Chico lê, vê e recomenda #82
Lido Pimienta, Julian Assange e a liberdade de imprensa, carnaval fora de época, quinceañera em SP, partido fardado, "privatização" da web, democracia participativa, violência obstétrica e mais...
Depois de umas boas semanas sem atualização, volto com o boletim. Meu notebook deu problema e fiquei um tempo sem acesso fácil a um computador. Agora ele já está ok então vamos lá! Boletim tem menção a carnaval que eu tinha reservado pra comentar na época dos desfiles no sambódromo. Ficou um pouco datado, mas é o que temos…
Música
Curtindo bem a canção Eso que tu haces da colombiana Lido Pimienta. Se liga nas cores!
Hoy te vi, sentada en la arena // I saw you seated by the sand-today
hoy te senti, peleando en la marea // I felt you were fighting with the ocean
Mirame a la cara cuando me hables // look me in the face when you speak to me
Y no me digas nada si no quieres // and don't say anything to me if you don't want to
Pero no me falles me duele // but don't fail me, it hurts
No exagero cuando te digo // i don't exaggerate when I say this
ESO QUE TU HACES // that thing you do
NO ES AMOR // is not love
Hoy comprendi, sentada en tu arena // i understood today, seating by your sand
Que fue por ti, que deje de ser yo // that it was because of you that i stopped being myself
No tienes la culpa por asi // and it's not your fault you became this way
Y no me entregues nada si no quieres // and don't give me anything if you don't want to
Pero no me ignores me duele // but don’t ignore me, you hurt me
No exagero cuando te digo // i don’t exaggerate when I day this...
ESO QUE TU HACES // that thing you do
NO ES AMOR // is not love
Sobre Julian Assange e a liberdade de imprensa
EUA ameaça a liberdade de imprensa com a perseguição a Assange. Aqui no Brasil, temos o caso do ministro do STF Gilmar Mendes contra o jornalista Rubens Valente:
No caso Rubens Valente, chama a atenção o conflito de interpretação entre o conteúdo do livro e as alegações do ministro: trata-se de uma obra jornalística, fiel às investigações da Polícia Federal e aos fatos correlatos apurados para traçar os perfis dos principais personagens da história, entre os quais estão, Dantas, o delegado e ex-deputado Protógenes Queiroz, o juiz federal Fausto de Sanctis e, por fim, Gilmar Mendes, este por causa de duas decisões que garantiram a liberdade do banqueiro.
Sobre Carnaval fora de época
por Luiz Antônio Simas
"Há anos propus, nos meus trabalhos, uma distinção entre 'evento da cultura' e 'cultura do evento'. O evento da cultura é orgânico, decorre de vivências comunitárias, tradição acumulada, ritos de pertencimento, etc. Exemplo: desfile de escola de samba. A 'cultura do evento' é aquela que esvazia de sentidos os ritos de pertencimento e espetaculariza tudo em nome apenas da circulação de capital, sem organicidade. O que estamos vendo hoje é o cancelamento de eventos da cultura e a manutenção desenfreada da cultura do evento."
O poder público precisa coibir aglomerações agora. Isso é fundamental para garantir a segurança da volta às aulas e a realização do carnaval no feriado de São Jorge. Adiar apenas a Sapucaí (coerente diante da escalada da Covid) mantendo TODO o resto acontecendo
é um escárnio. Aí a coerência vai pra cucuia e sobra a hipocrisia. Que se viabilize o auxílio imediato aos trabalhadores do carnaval, o evento da cultura mais importante da cidade afro-lusitana do Rio de Janeiro. Tirem o carnaval dessa cidade e dela sobrará pouca coisa.
Clipping
Festança: 6 mil pessoas se reúnem para 'quinceañera' de filha de bolivianos Carlos Rivera Miranda e sua filha, Litzi Rivera, no baile da "quinceñera" da jovem, que reuniu mais de 6 mil pessoas em Guarulhos (SP) | Felipe Maia - Tab UOL - link
Uma quinceañera é uma festa de aniversário de quinze anos. Comuns na América Latina hispânica, dadas suas origens andinas e mesoamericanas, esses eventos têm paralelo com as festas de debutante no Brasil. As quinceañeras, porém, são encontros muito maiores. Alguns elementos se assemelham — como a valsa com o mais belo popstar do momento —, mas a versão hispanohablante é um grande festival de tradições, ritos, cores e sons. Entre presentes de milhares de reais e goles de cerveja atirados ao chão — era para Pachamama, a mãe-Terra, disse-me um convidado —, a festa de Litzi, realizada em uma gigantesca casa de eventos em Guarulhos (SP), foi uma autêntica celebração da cultura boliviana e latino-americana em São Paulo.
(...)
Entre o público de quase seis mil pessoas que lotava a antiga fábrica e os quatro milhões de seguidores no Instagram do rapper, Litzi foi a única que pôde ficar ao lado do ídolo sobre o palco. Assim o fez também nos outros shows. Em movimentos contidos, mas sem negar os passinhos de dança, estrelava seu aniversário em frente a desconhecidos com rostos de conhecidas feições: olhos amendoados, pele morena, cabelos pretos. Todos traços típicos dos mais de 75 mil bolivianos no Brasil e tantos outros brasileiros filhos de bolivianos, uma primeira geração que, como Litzi, pula entre o português brasileiro e o espanhol boliviano num átimo.
O Partido Fardado tem que acabar; As Forças Armadas brasileiras foram construídas para atuar em prol das classes dominantes, combatendo todos os esforços para democratizar o poder e distribuir a riqueza no país. Aqui estão algumas propostas para converter esta força ideológica armada caríssima e incompetente, que ameaça nossa democracia, em uma instituição que defenda de fato a soberania nacional e popular. | por Sérgio Amadeu Vieira - Jacobin - link
O pensador francês Alexis de Tocqueville detinha uma intuição impressionante. No livro Da Democracia na América, lançado em 1835, Tocqueville especulou sobre o que ocorreria se “em consequência do espírito inquieto do Exército” surgisse um governo militar? Entre suas conclusões, afirmou que “o povo se tornaria uma imagem do Exército, e a sociedade seria gerida como uma caserna”. Considerava extremamente perigoso “o amor excessivo de todos os cidadãos pela tranquilidade” o que levaria a sociedade e a Constituição a ficar “à mercê dos soldados”. Como um conjunto permanente de homens armados sempre seria um grande perigo para as democracias, Tocqueville aconselhava que “o meio mais eficaz de diminuir esse perigo” seria “reduzir o Exército: mas este é um remédio que não pode ser utilizado por todos os povos”.
Tocqueville nos trouxe uma grande questão. O Brasil tem como enfrentar esse perigo? O Exército brasileiro tem sido instrumento de intervenções antidemocráticas a serviço de interesses de segmentos das classes dominantes desde o Império. Essa subordinação continuou com a instalação da República por meio de um golpe militar. O tenentismo não alterou esse espírito serviçal dos generais e aprofundou a ideologia do Exército como um poder moderador, ou seja, interventor.
Talvez a sociedade brasileira não tenha força política suficiente para “reduzir o Exército” ou mesmo para dissolvê-lo com o objetivo de criar forças especiais de defesa nacional, como aconteceu na Alemanha e Japão após a desintegração do eixo nazista, altamente profissionais e proibidas de atuar no cenário político. Os estrategistas do golpe militar de 1964 perceberam que além da “abertura lenta, gradual e segura” para uma democracia controlada, seria fundamental criar raízes profundas do militarismo em nossas instituições. Já haviam militarizado as polícias estaduais para que o controle cotidiano das ruas não fosse feito pelas tropas de um Exército. Esse legado nunca preocupou profundamente os grandes líderes da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, muito menos dos governos seguintes, democraticamente eleitos. A questão militar sempre foi deixada de lado.
(…)
Está na hora de reconfigurar as Forças Armadas. É hora de pensarmos em forças especiais que cuidem de áreas importantes da Defesa Nacional. Força de Fronteira. Força de Dissuasão. Força Cibernética. Força da Selva. Necessitamos de um comando militar que somente integra as Forças quando ocorrer uma ameaça de agressão de outra força militar. Um Estado Maior que se forma com comandantes profissionais e não com políticos. A Aeronáutica e a Marinha devem ser redesenhadas e modernizadas. Precisamos de Forças com maior capacidade tecnológica. Além disso, as polícias estaduais não podem continuar a ser forças militares. A atividade policial é estritamente civil. O infrator não faz parte de um exército inimigo. As polícias não podem ser uma estrutura de extermínio de negros e pobres. Mesmo o crime organizado se combate com forças civis, bem estruturadas e bem remuneradas.
Praça ou shopping; Depois da utopia e do domínio de empresas, ainda é tempo de retomar princípios da web | por Evgeny Morozov (tradução de Terezinha Martino) - Estadão - link
Muitas empresas de internet concentraram sua atividade na publicidade e, assim, ficaram à mercê das tendências daquele setor – a personalização é a mais importante delas. Os anúncios online eram ajustados aos interesses de um dado usuário. Quanto mais o website conhece do usuário, mais eficaz é a promoção feita.
Como fim lógico dessa crescente personalização, cada usuário acabou tendo sua própria experiência online. Algo muito distante da visão inicial da internet como espaço coletivo. Em vez de internet, podemos começar a falar de um bilhão de “internets”: uma para cada usuário.
O poder sonhado se revelou uma ilusão. Os usuários da rede podem achar que desfrutam de livre acesso a serviços interessantes, mas estão pagando por esse acesso com sua privacidade. Grande parte do nosso compartilhamento de informações parece banal. Mas quando a informação é analisada com dados de outros serviços similares, ela pode gerar insights sobre indivíduos e grupos profundamente interessantes para marqueteiros e agências de inteligência.
Se sabem o que você come, podem também descobrir o que você lê; a partir daí, não é difícil conhecer suas preferências políticas e manipulá-lo. Estamos rumando a um futuro onde a privacidade vai virar um bem caro. Já há empresas, criadas recentemente, oferecendo privacidade mediante a cobrança de “uma taxa”.
Embora estejam nos delegando poder como consumidores, estamos perdendo essa capacidade como cidadãos, algo que os profetas digitais que pregavam a libertação por meio do espaço virtual não previram. As “reuniões comunitárias eletrônicas a nível de governo ” jamais decolaram. Quando o presidente Barack Obama tentou realizar uma logo após ser eleito, a pergunta mais frequente foi sobre a legalização da maconha. A internet não substitui a política – ela a aumenta e amplifica.
(...)
Os fundadores da internet tinham intenções louváveis. A visão utópica da internet como um espaço compartilhado de modo a aumentar ao máximo o bem-estar coletivo é um bom modelo para se trabalhar. Mas eles foram atraídos pela possibilidade de “grandes lucros” e viram-se apanhados na armadilha do discurso da “autonomia e poder pessoal”, simplesmente um ardil ideológico para ocultar os interesses das grandes companhias e reduzir a intervenção do governo.
A situação como está hoje não é irreversível. Ainda temos alguma privacidade e as empresas ainda podem ser controladas por meio de regulamentos inteligentes. Mas precisamos parar de pensar na internet em primeiro lugar como um mercado e depois como um fórum público. O que falta, há muito tempo, é um reexame fundamental da primazia das dimensões cívicas da internet. Está na hora de decidir se o que queremos da internet é que seja um shopping privado ou uma praça pública.
Mais links
O experimento belga com a democracia participativa; Com 30 anos, Jana foi escolhida por sorteio para participar do Conselho de Cidadãos no Leste da Bélgica. Em princípio temerosa, a estudante percebeu a importância de poder cogovernar em sua região e ajudar o Parlamento a decidir o futuro de jovens como ela. | DW Brasil - YouTube - link
Ministério da Saúde incentiva violência obstétrica em lançamento da nova Caderneta da Gestante; Em evento para ‘homenagear mães’, governo dá carta branca para violência de médicos no parto. | Bruna de Lara para o Intercept Brasil - link
Algumas das cidades mais depressivas da Europa: Ijmuiden (Netherlands), Usti nad Labem (Czech Republic), Medyka (Poland), Pristhina (Kosovo), Gelsenkirchen, Walbrzych, Katowice e Sarajevo | por Mathijs de Vries - Quora - link