Chico lê, vê e recomenda #94
Tina Modotti, fazendas flutuantes de Bangladesh, barco que bateu na ponte Rio-Niterói, últimos relatos em vida de americanos escravizados nos EUA, governo eleito e o mercado
Segue a edição 94 do boletim com um formato um pouco diferente!
Galeria
Mulher com bandeira, de Tina Modotti.
Terminei a biografia Tina Modotti - uma mulher do século XX, do espanhol Ángel de la Calle. Feita em formato de gibi (ou graphic novel) o livro, publicado no Brasil pela Conrad, conta a história da artista que conviveu com parte dos movimentos mais importantes do início do século passado.
Imigrante que desembarcou com a família nos EUA em 1910, ela foi atriz na Hollywood dos anos 20, da eclosão do cinema mudo, depois migrou para a fotografia e para o México, onde se envolveu com a escola muralista. À revolução e à onda sandinista foi um passo. Tina passou a integrar fileiras socialistas e não demorou a virar militante comunista, espiã da Comintern de Joseph Stalin na Alemanha nazista. Na Guerra Civil Espanhola, serviu como enfermeira. De volta ao México em 1939, integrou a Aliança Antifacista com Giuseppe Garibaldi. Morreu de infarto aos 46 anos - ataque repentino até hoje mal explicado.
Foi Tina que apresentou Frida Kahlo ao muralista Diego Rivera. Tina aparece na cinebiografia de Frida (aquela com Salma Hayek). As duas foram bem amigas. De “esquerda” e com comportamento pessoal libertário - estéril, ela viveu intensamente sua vida sexual num mundo pré-AIDS - Tina poderia (e deveria) ser tanto ícone quanto Frida Kahlo é hoje em dia entre certos círculos feministas. Ela chegou a conviver com Luis Carlos Prestes e Olga Benário, além de Hemingway e outras personalidades.
A foto Mulher com Bandeira é uma das mais conhecidas dela. Nesse vídeo aqui você consegue ver outras. Nesse outro vídeo você pode conhecer melhor sobre Tina e suas fotos.
Não sou fã dos desenhos do Angel de La Calle (faz uns narizes de bolinha que parece nariz de palhaço), mas a técnica narrativa dele é excelente. Esses dias me recomendaram o Pinturas de Guerra dele, publicado aqui pela Veneta.
Saiba Mais: Fazendas flutuantes de Bangladesh
Essa semana vi o Tweet abaixo sobre fazendas flutuantes - técnica de plantação hidropônica natural com mais de 200 anos de uso - em Bangladesh. Curti e fui atrás pra saber mais. Curto ler sobre reflorestamento e como comunidades tradicionais estão se virando pra lidar com mudanças climáticas - lembrando que no início do mês o interior de Pernambuco sofreu com fortes chuvas.
Cerca de 2/3 de Bangladesh corresponde a áreas alagáveis por conta do sistema fluvial Ganges-Brahmaputra. É o maior delta do mundo. É um dos países mais pobres do mundo, com cerca de 48% da população de 160 milhão de pessoas é sem terra.
A técnica de plantar em “jangadas” é usada por mais de 200 anos em Bangladesh por conta das Monções - aquelas fortíssimas chuvas que acontecem sazonalmente no Sudoeste Asiático. Mas se antes ela era usada durante apenas 5 meses do ano, hoje, por conta das mudanças climáticas, fazendeiros estão usando por 10 meses. Esse método tradicional de cultivo é conhecido como dhap ou baira e é usada também na Caxemira e em Myanmar. Na América, os Aztecas também usavam essa técnica, que hoje é chamada de Chinampa. Na Amazônia, indígenas da era pré-colonial construiram ilhas artificiais para conseguir plantar e morar.
Se entendi direito, as “jangadas” são feitas entrelaçando as plantas chamadas Jacinto e ancoradas com bambus. E fazendeiros misturam as mudas com esterco e o solo lodoso local entre as raízes entrelaçadas da jangada. As plantações crescem e se misturam a essas jangadas, que, obviamente, se desfazem com o tempo. Essas embarcações costumam medir 6 metros de comprimento com 1 metro de largura. Com o uso intensivo, o custo de criar e manter essas fazendas flutuantes está cada vez maior.
Esse tipo de plantação consegue alimentar a família durante o ano inteiro. O excesso de produção é vendido para outros mercados locais. Muitos fazendeiros adotaram a técnica após enfrentarem o desemprego nos centros urbanos de Bangladesh, numa espécie de “volta ao campo”.
É possível plantar espinafre, arroz, berinjela, quiabo, pepino, mamão, tomate, além de outros tipos de legumes e verduras. Quando as monções terminam, e essas localidades enfrentam secas severas, essas jangadas são desfeitas e usadas para fertilizar o solo.
Não é usado fertilizante industrial e a produtividade é alta - assim como é intensivo o trabalho exigido. São 8 horas por dia para criar as mudas de plantas e 10 horas para criar e manter as jangadas.
Floating farms in Bangladesh help farmers survive floods | Al Jazeera - link
The Floating Farms of Bangladesh | BBC News - link
Mais links
Matéria de 2018 sobre o barco que bateu na ponte Rio-Niterói; a embarcação estava ancorada desde 2016 e havia uma tripulação no local que protegia contra ataque de piratas que queriam vender parte do barco como sucata | por Caio Barretto Briso para o Globo - link
'Crianças comiam em cochos': os últimos relatos em vida de americanos escravizados nos EUA; projeto do governo dos Estados Unidos, gestão Franklin D. Roosevelt, contratou escritores para entrevistar ex-escravizados idosos | por Thais Carrança para a BBC - link
O recado do mercado ao governo eleito; O governo brasileiro é o que paga os juros mais elevados do mundo. Com isso, há o sério risco de formar uma ‘bola de neve’ caso os credores não acreditem que possa ser administrada. Com R$ 7,7 trilhões de títulos emitidos, a dívida bruta representa cerca de 77% do Produto Interno Bruto (PIB) em setembro. | por Alaor Barbosa para Radar Econômico - link
"Modotti" e' bom demais! Tambem ja me recomendaram o Pinturas de Guerra, mas ainda nao li.